terça-feira, 2 de agosto de 2011

[CONTO] ÚNICO AMOR




Eu amei apenas uma mulher em toda minha vida.

Amei sem dó, amei sem piedade, amei sem respeito por mim. Não existe qualquer explicação que faça entender, e mesmo se existisse, a esta altura não iria importar. Estou velho, doente e acamado. Não sei o tempo que me resta. segundo meu médico, não muito.
Minha vida foi boa. Por três vezes casei e hoje percebo que não me importei com nenhum deles, eram apenas necessários. Tão necessários quanto os emprego, o carro, a casa. Não era por amor, era por conforto. Eu estava ficando velho e precisava me estabelecer. Criar raízes. Fazer filhos. Ter uma família. E assim o fiz.


Conheci o amor da minha vida quando eu tinha dezessete. Ela era linda, meio desajeitada e inteligente. Fazia o primeiro ano e tinha quinze. Eu sempre a observava na quadra de esportes. Tinha algo de especial nela, algo que eu nunca pude entender ou nunca tenha feito questão de entender. Minha impressão era que sua existência se encaixava perfeitamente nos planos do universo.

Sempre que podia eu a observava. Não como um lunático se é isso que está pensando. Não. Eu simplesmente ficava olhando-a passar. Claro que o tempo do colégio acaba. A maioria dos amigos se perde, a maioria dos amores se separa. E foi assim comigo. Depois de passar quatro anos a vendo ir e vir eu a perdi de vista logo após a formatura. Eu não sabia nada sobre ela. Não sabia onde morava ou aonde ia. Eu só a via no colégio. Nunca a persegui. Mas, eu sabia que a amava.

Quatro anos depois.

Por sorte, certo dia ela apareceu no restaurante onde eu trabalhava. Eu não me espantei quando lhe vi acompanhada, acho que estava namorando. Eu apenas fiquei feliz em vê-la.
No fundo eu sabia que ela estava feliz. E se ela estava feliz, eu também estava.
Ela deve ter freqüentado aquele restaurante por mais ou menos um ano, sempre nas quintas e sextas, depois sumiu mais uma vez.

Fui demitido do restaurante por ter pegado dinheiro do caixa. Por pouco não fui preso.

Minha vida seguiu adiante.

Eu entrei para faculdade e, quando estava saindo no último dia de aula do quarto período, eu a vejo passar pelo campus. Continuava linda. Ela cursava arquitetura. Foi a única coisa que soube durante todo o meu curso.
Pode parecer loucura, mas eu sabia que meu destino estava ligado ao dela. Eu sabia que ela era a minha cara metade, ela era quase a razão da minha existência. Como eu disse, eu a amei sem respeito por mim.

Término da Faculdade.

Passaram pelo menos mais sete anos antes que eu voltasse a ter alguma notícia dela. Nesse meio período, lembro de estar respondendo a um processo por agressão a uma mulher a quem paguei pelo sexo. Não me lembro de ter batido.
Na verdade não me lembro muito daquela época. Eu bebia bastante e admito que sempre fosse meio cabeça quente. Nunca tive paciência com prostitutas.
Mas, a espera de sete longos anos terminou quando vi meu amor  subindo a rua do centro . Estava de mãos dadas com um tipo estrangeiro, estava produzida. Eu parei na rua e os deixei passar por mim. Senti seu perfume, era suave e maravilhoso. Então ela se foi a passos largos e sorriso no rosto. Sem notar minha satisfação.

Fui preso

No início de 1996 eu estava trabalhando numa boa empresa como supervisor de um departamento e não tinha muita coisa do que reclamar. Minha vida não era um mar de rosas, mas estava bem.
Infelizmente, seis meses depois, mais uma vez por culpa do meu temperamento
fui em cana. Numa briga, cortei superficialmente um estagiário que era menor de idade.
Então já não era uma época boa. Mas, coisas incríveis acontecem em qualquer época e foi justamente quando eu estava preso que conheci minha primeira esposa. Ela me ajudou a sair da cadeia e com ela passei sete longos anos da minha vida, tive um filho e juntos compramos uma casa.

A Separação

Na primeira vez, o motivo, foi meu jeito de tratá-la. Fazia uns dois anos que brigávamos direto. Resultou numa separação de bens e uma pensão. Ainda bem que ela não deu queixa contra a agressão que fiz ao meu filho.
Nesse mesmo ano me mudei de cidade. Arranjei um emprego mais modesto e morei alugado. Foi numa ida a um bar chique, convidado por uma colega de trabalho, que tive a oportunidade de ver uma apresentação onde a cantora do grupo era meu amor. Nem preciso dizer que passei todo o show olhando para ela e tirando o atraso de todos aqueles anos.
Terminei a noite nos braços da colega de trabalho, com a qual seis meses depois me casei.
Mudei para casa dela e vivemos juntos. Casamos e assim ficamos por mais dez anos. E dez anos sempre será pouco tempo para um casal.
Nunca tivemos filhos. Ela era uma boa pessoa. Meu verdadeiro amor pela outra estava controlado, guardado. Tudo ia bem.
Foram dez anos de calmaria, que acabaram com a morte da minha esposa. Os médicos disseram que ela morreu por causa de uma hemorragia no cérebro e que fora fulminante. Nada mais tinha a fazer.

No enterro.

Eu estava carregando uma das alças do caixão, andando do lado esquerdo e olhando para as lápides, ora vendo fotos, ora lendo as inscrições gravadas. Foi quando, que por destino carrasco tive meus movimentos paralisados pela visão de uma foto. Logo tomou conta de mim uma sensação de pura irrealidade. A foto mostrava uma mulher de cabelos negros, sorriso contido e olhar puro e o nome logo abaixo era do meu único amor. Ela morrera fazia três anos.

O funeral da minha esposa ficou em segundo plano para mim e, por horas, após o término da cerimônia, fiquei parado olhando a lápide que guardava o nome e a foto dela.
Não sabia como reagir. Não sabia direito o que fazer.
E o verdadeiro amor se mostrou sem piedade.

Resto.

Hoje estou mais uma vez casado com uma mulher que, agora, cuida de mim nesses meus últimos dias. Estou com pouco mais de oitenta anos. Minha vida foi tão comum quanto a de qualquer outro. Talvez um pouco mais violenta, já que fui preso quando era jovem e matei um homem faz poucos anos por ele ter roubado minha casa. Não fui pego, talvez por quê eu tenha mais talento do que imagino.  Estou aqui. Aquecido e bem cuidado.
Desculpe por não contar com maior detalhe a história do meu único amor. Eu contaria se eu pudesse garantir que seria real e não fruto da minha imaginação. Dizem que tenho tido delírios ultimamente.

Quanto a “ela”. Bem, talvez você esteja se perguntando o porquê eu nunca me aproximei dela. Nunca a convidei para sair. Nunca a persegui feito um louco e apenas a deixei passar por minha vida sem saber de mim.
A resposta é simples:
Não se tira uma rara flor do jardim. Você a rega, cuida e admira.
Eu não podia tirar aquela jovem do seu jardim. Então, eu a amei o máximo que pude.
E desde pequeno eu sabia do meu jeito. Eu não sei demonstrar amor de uma forma normal. Se eu tentasse, com certeza a faria sofrer.

A maior prova do meu amor foi nunca tê-la machucado.

Um comentário:

  1. Machucar é uma palavra que possui diferentes significantes... ora é calmaria ora é pertubação... pra mim sempre a pertubação é a melhor opção.. sempre a mudança é a melhor maneira de se obter a calmaria e tentar sempre é a melhor escolha... :*

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